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sábado, 28 de junho de 2014

Um cair do dia



Não será decerto a memória de um pôr-do-sol a última cor na minha mente. As cores vivas a bailarem num céu outrora desprovido da mais quente de todas as emoções. O beijo suave dos raios finais de um dia repleto de incidentes e mistérios. Não será decerto essa a memória cortante no meu peito, a rasgar pela pele e a libertar-se do meu corpo com uma explosão sacrificial. Ou talvez seja essa a imagem nos meus olhos escuros. A imagem de um sol para lá de um horizonte perdido, para lá de um mar escuro e das possibilidades embarcadas no navio inquebrável.
O espírito mudo, vive onde nunca outro melodramático pesadelo viveria, no país longínquo da saudade, da dolorosa paixão após ser despida das suas cores. Num perfeito mundo, a loucura deixaria a alma sossegada no seu canto, no seu para sempre paraíso. Num mundo perfeito, a pequena não cairia no buraco, a borboleta não perderia a força, o mar não bateria violentamente nos rochedos. Num mundo desprovido de dor, de maléficas populações com as suas deprimentes ações, tudo pareceria um pouco mais usual, mais quieto, porque a verdade não existira. Como poderia existir verdade se a mentira não a chamava? Se só existisse um lado do mundo, uma versão dos eventos, uma poção para todas as causas, nenhuma doença viveria, a degradação morreria, a morte não seria se não a mudança.
Esse mundo, por mais apelativo que possa soar, não passa de uma construção metal da vontade dos seres humanos quando buscam a solução para os problemas. Nem mesmo a minha memória de um pôr-do-sol carismático poderá sobrepor-se á minha busca pela perfeição. Se não buscássemos o que, maioritariamente, não conseguimos alcançar, os nossos restantes sonhos não passariam de pesadelos. É a nossa fé na vitória que nos leva a lutar pelos objetivos, por mais dementes que venham a ser, por mais mortais e por mais imperfeitos que sejam os dias. E o toque, a lâmina fria a penetrar na minha alma, aquela batalha interior que todas as malditas noites tenho com a minha alma, nada me poderia preparar para o novo dia, nada me poderia fazer desistir da loucura.
Um golpe no meu consciente, não mais louvável, deixa as minhas forças longe do recuperável num segundo. A voz dos raios de sol leva a memória para um distante passado nos confins da minha indeterminada mente. Não será decerto a memória de um pôr-do-sol a última cor na minha mente. E um sorriso seria pedir demais a um espírito para além do meu alcance. O espírito mudo, só após uma conquista, desiludido com o mundo imperfeito, atento à melodia cristalina de um vento nórdico. Louvados sejam os anjos a ligarem a pele rasgada e a untarem o bálsamo nas minhas feridas. Não será decerto a memória desse ardente pôr-do-sol a reinar a minha confusa mente. Será o fogo a reacender no futuro ilustre. Num cair do dia…

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