Este é o local onde as palavras encantam.
Os escritores também tem sentimentos. Se sentiste, diz. Assim estaremos todos no mesmo nível de partilha.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Cair no abismo

Sinto lágrimas acumulando-se nos meus olhos e fecho-os ao senti-las escorrerem pelo meu rosto. Olho para o teto branco do meu quarto e não sei o que mais fazer se não puxar os cobertores para cima e afundar-me no abismo da escuridão. O meu peito está pesado, as vozes são facas e as palavras as facadas que me matam um pouco mais. Nunca tentei perder-me, foi um acidente. Se as coisas fosse preto e branco tal como dizem nas discussões eu não me sentiria tão perdida e inútil. Queria levantar-me mas não consegui. Cada passo que dava, cada dia que vivia, por mais que fizesse, era inútil.
Dou o meu coração à escuridão que me quer matar. Mentiras atrás de mentiras. Grito interiormente quando o verdadeiro se prende na minha garganta. Engulo o nó que se forma. Não como e deixo o meu corpo recolher-se e gastar toda a energia. Não sinto a fome mas sinto a mente fugindo das amarras que a prendem ao corpo físico. Nunca me senti tão perdida no mundo e os anos passam. Uma última vez… Pedia por uma última vez para não olharem para mim daquela forma. Pedia para acreditarem, para me ajudarem a acreditar.

Choro… Choro pelo mundo, por mim e pelo futuro que não virá. Nunca tentei ser aquilo que não sou. Nunca tentei magoar os que me amam. Só queria um último abraço. Uma corrente que não me permitisse voar para longe da terra. Cada dia a passar, mais escuro o quarto fica, pois mais atrativa a escuridão me parece. Deito-me e não me consigo levantar. Todos os dias uma luta. Choro quando ninguém vê, nunca grito para não pensar na loucura. Minto… Minto a mim própria, pois a loucura continua a existir no meu interior, consumindo a minha alma. E caiu no abismo. 

sábado, 16 de janeiro de 2016

Sono Mortal

Dissemos, ‘é o sono mortal’. Corremos o campo e rastejamos sobre lama. ‘Irmãos, olhem para mim!’ Gritos e respirações cortadas. Dissemos que a morte chegaria sem misericórdia. A tempestade chegava com força bruta e nós íamos para casa tentando deixar o passado atrás das costas e bem longe. Sim, vamos para casa, bem longe da dor e terreno árduo. ‘Vamos para casa!’ Gritos e assobios. Choros e abraços. Dissemos ‘adeus’ ao passado e caminhamos erguidos e destemidos.
Chegamos e viajamos com diversão. Famílias esperando às portas da passagem. Casa seria onde elas estavam. O sangue aqueceu, lágrimas limparam os males, caricias acalmaram os demónios. Dissemos ‘obrigado’ e caminhamos de mãos dadas aos nossos queridos. Vimos o sol nascer e a noite pintada de constelações. Somos o infinito e tentamos mover montanhas. Quatro paredes quebradas, passos firmes e passado do outro lado do oceano.
Saltamos do penhasco e mergulhamos em água fria. Perdemos o avião e percorremos o mundo com uma mala às costas. Voltamos a juntar-nos duas vezes por ano. Irmãos sempre, cá qual segundo o seu destino. Sorrimos e por momentos tudo pareceu cinzento. Nada era perfeito mas podíamos fingir que os demónios não existiam, que não ouvíamos os sons intensos ou sentíamos a lama nas nossas roupas mesmo quando ela não se encontrava presente.
Dormimos com uma mão presa em redor do punho que nos poderia salvar. Lâmina afiada, um passo perto do abismo. Carregamos as nossas culpas e os nossos erros. Seremos livres? Dissemos ‘adeus’, então porque sentimos que continuamos lá? Rastejando por baixo de arame farpado, subjugando-nos às noites gélidas e aos dias ardentes, nunca sendo capazes de ver o verdadeiro azul do céu, ou o ondular da água embatendo nas rochas e rolando pela areia da praia cheia. Tínhamos pesos nas pernas e afundávamos no poço de água verde.

Dissemos que era apenas um dia mau, um dia que ia desaparecer das memórias. Pegamos na mala e continuamos a viagem com a família perto de nós. Rodeamos o corpo das nossas crianças e abraçámo-las. O olhar brilhante, a saudade… Tudo ajudava a caminharmos um passo em frente, longe do sono mortal. E paramos, olhamos aos céus e dissemos, ‘Olhem para nós! Quebrados por salvarmos a terra que nos viu nascer!’ Continuamos. Choros, passado e um toque de dor. Felicidade? Talvez no futuro. Paz? Sim, paz. Hoje…