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sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Aquilo que eu perdi para o monstro em mim

          Tristeza… Um grande sentimento que nos consome pouco a pouco. Eu sei o que é. Eu estive, estou e continuarei a estar triste. Estou triste por causa de todos os assuntos que não resolvemos. Estou triste por não poder voltar a falar contigo. Sei que tive culpa. Sei que tentaste naquele dia quente de verão. Sei que fomos criaturas néscias que não pensaram no que estavam a dizer. Sei que tive mais culpa que tu. Sei e peço desculpa. Desculpa por ter sido a primeira a destruir tudo. Desculpa por não ter ouvido. Desculpa por ter sido a ignorante e mais infantil pessoa que alguma vez conheceste.
          Se o universo e Deus me autorizassem voltaria atrás no tempo e tentava não cometer os mesmos erros. Tentava dar-te a mão em vez de te empurrar. Tentava lutar contra a raiva, contra este outro monstro que anda disfarçado. Se não conseguisse tentava ao menos ouvir-te. Serei sincera. Não ouvi porque tinha medo. Medo de me arrepender daquilo que pudesse dizer no calor da batalha. Medo que o monstro voltasse e que mais uma vez voltasse a massacrar as tuas tentativas de socorrer aquilo que já estava ferido. Foi demasiado fraca. Ele estava disfarçado novamente e eu deixei-me ser apanhada, acabando por me arrepender mais uma vez da reação que tive.
          Durante vários dias pensei, chorei e voltei a pensar. Torturei-me mentalmente por aquilo que fiz, não fiz, disse e não disse. Torturei-me ao ponto de não conseguir dormir descansada e de amaldiçoar aquilo que sou. Não adiantou de muito. Não posso amaldiçoar uma pessoa que já tem uma maldição. Mesmo assim tentei. Tentei lutar e ponderei novamente em novas formas de te abordar. Nenhuma me pareceu a mais indicada. Quando finalmente arranjei uma que pensava eu que era uma boa ideia, cai novamente. Não previ aquele resultado. Mais tarde é que me apercebi que mais uma vez aquela maquiavélica aberração tinha-se penetrado na minha mente. Não é desculpa. Devia ter-me apercebido de tudo. Agora não há muito a fazer.
          Neste momento acho que não quero o teu perdão. Quero apenas que me oiças. Apesar de não ter o direito de te pedir isso, é aquilo que mais desejo. Gostava de poder voltar do zero. Começar tudo de novo. Infelizmente isso é impossível. Somos crescidos. Devíamos resolver os nossos problemas de forma civilizada, ainda assim eu quebrei aquilo em que acredito. Deixei-me levar e agora pouco posso fazer. Pensei que talvez se eu me explicasse tu visses nos meus olhos e sentisses nas minhas palavras que aquilo que digo é a pura verdade. Que me arrependo todos os dias do que aconteceu. Que não existe um único dia em que eu não pensei o quanto gostava de voltar atrás no tempo.
          Por agora ficarei à espera. Talvez um dia as minhas palavras possam ser ouvidas por ti. Talvez um dia eu me possa perdoar pelo que aconteceu. E então depois tu também me perdoes e que não haja mais tortura e mais sofrimento para nenhum de nós. Mas até esse dia vir, eu ficarei aqui. Presa na minha prisão mental, arrependendo-me por tudo e desejando não ter este monstro como parte de mim. Por isso até breve caro amigo. Certamente nos iremos ver um dia quando todo este nevoeiro levantar e nos estejamos prontos a deixar este fardo ficar na caixa, bem longe daqui.

sábado, 3 de novembro de 2012

O Rei, a Guerra e o Reino de gelo

   O que será que se esconde nos corações fracos dos homens? E por detrás de todas aquelas muralhas? Será o rei? Será que ele não passa de mais um corpo frio sentado no trono de madeira? Ele só poderá ter um coração de gelo se não, como poderia ele deixar as crianças chorarem pelos pais? Como poderá esse ser o verdadeiro rei deste reino? Como pode ele matar em nome da felicidade de outros? Porque é que ele proclama que Deus fez dele o senhor intocável e lhe concedeu todos os bens materiais quando a única coisa que Deus lhe deu foi a capacidade de viver? Não terá aquele que se intitula Rei a capacidade de ver o mal que acorre no reino? Talvez Deus o tenha feito mesmo intocável, imune a qualquer bondade, alheio a tudo a não ser a sua própria barriga.
    Ele não sabe, ninguém sabe que a rapariga que viu o pai e o irmão ir para a guerra do rei esperava todas as noites, olhos postos no horizonte e mãos agarradas no fio com uma pequena águia, que o seu irmão talhou especialmente para ela. Ela espera, espera e espera até adormecer. Ninguém sabe que a esposa todos os dias vai à falésia e espera ver o barco que vai trazer o seu marido vivo e saudável de volta. Ninguém sabe a dor que as mães, esposas, noivas, irmãs e primas sentem ao ver a esperança partir por não receberem nenhumas noticias daqueles que lhes são especiais.
    Um dia, mais um dia de muitos que passaram, um barco acabava de chegar. Negro dentro e fora. Da guerra vinha noticias. Pais, irmãos, avôs, maridos, noivos, muitos mortos. Os restantes estavam feridos e faltavam poucos dias para chegar. O rei subia calmamente, para a varanda central do palácio, e disse para todos os ouvintes as noticias. Não falou nos nomes dos soldados, dos generais que morreram, esses foram referidos, mas não os nomes dos pobres soldados que tinham sido arrancados do calor das suas casas para ir para as chamas da batalha.
    Mães gritaram, esposas agarraram as crianças e choraram. E as damas, senhoras de nome e nariz, pegaram num lencinho perfumado e limparam três lágrimas secas do canto dos olhos vermelhos. Mas o povo feminino mantinha-se destroçado. Mais ficaram quando os restantes barcos chegaram. Aqueles que viveram puderam reunir-se às suas famílias. A menina que dantes esperava agora tinha o irmão junto dela, o pai tinha voltado mas bastante ferido. Viveu para despedir-se da filha mas em dois dias partiu com a Senhora da Morte. O marido da Senhora da falésia não voltou da batalha no mar e ela sem filhos ou outros familiares deixou o Senhor do Mar leva-la quando caiu na água.
    As coisas pareceram estar mais calmas, apesar de todas as tragédias. O rei continua o mesmo coração de gelo. Algumas famílias continuam de luto outras tentam festejar. Mas se eles pensam que a vida de guerra acabou estão enganados. Com um monstro como rei será difícil parar o sofrimento. A vida neste Reino de gelo continua, implacável. Continuará até o rei derreter e o trono arder. Por enquanto as muralhas do Reino continuarão a ser frias e inquebráveis.