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domingo, 22 de abril de 2012

O nosso verdadeiro nome


No meio da floresta, numa clareira serena e quente, uma flor com suaves tons azuis esverdeados nasce e uma calma melodia enche o ar encantando todos os seres daquela infinita floresta. Os pássaros deixaram de cantar para se dirigirem em direção à clareira para ouvirem melhor a doce melodia. Os lobos deixaram de uivar para a prateada luz vinda da lua e seguiram rumo à flor para verem a brilhante luz vinda da planta. Uma jovem que por ali passava sentiu a magia que voava pelo ar numa dança com o vento quente de verão. Passo a passo ela dirigiu-se à fonte de toda aquela maravilhosa e luminosa magia. Seguindo os animais por entre as árvores, bailando como as Ninfas que tinha habitado aquela floresta.

Ao chegar à clareira a flor já tinha desabrochado. No seu interior, um pequeno ser dormia alheio a toda a atenção que estava a receber. Parecia um daqueles seres que habitam as histórias que as mães contam os filhos antes de estes adormecerem. Tão angelical, se não fosse pelas suas asas de borboleta poderia fazer-se passar por anjo, talvez um anjo da guarda. A jovem com os seus olhos doces poisados na flor e no seu hóspede revia todos os contos encantados que a sua mãe costumava contar-lhe. Ela começava a pensar que talvez este momento não passasse de mais um dos seus inúmeros sonhos e que a qualquer momento acordaria.

Como que acordado pelas memórias da jovem a criança-borboleta abriu os olhos. A melodia parou de tocar, a magia deixou de bailar e apenas pairou por cima da flor, os animais baixaram a cabeça mostram o seu respeito e a rapariga sem saber como deu por si a caminhar em direção ao centro da clareira. Ajoelhou-se e os seus olhos fixaram a criança que estava sentada na flor.

- Qual é o meu nome? - A voz da pequena criança de asas azuis era como um carrilhão de sinos. - Tu sabes qual é o meu nome, podes dizer-me?

A rapariga não sabia o que dizer, não fazia ideia qual era o nome daquela criatura, nem sabia o que ela era.

- Se procurares no teu interior vais descobrir. Fecha os olhos e pensa.

Com se possuíssem vontade própria os seus olhos fecharam-se e ela foi sugada para o seu próprio interior. Naquele mundo ela voava pelo céu azul e ao longo do infinito rio, mas quando ela pensava que tinha visto tudo sentiu-se tentada a olhar para o seu reflexo na água. Finalmente compreendeu porque conseguia voar. Ela era uma fada! Não, a criança-borboleta era afinal uma fada. A sua íntima, parte de si, o seu anjo da guarda, a sua consciência… A sua eterna companheira! Nesse momento ela conseguia ver a verdade com os seus olhos e o nome da sua amiga era tão claro como água.

- Ruby. É esse o teu nome. A verdade mostrou-se e eu agora se o que és, o que sou e a partir de agora não voltarei a caminhar para um futuro que não é meu. Sou eu que caminho e sou eu que me sacrifico por todas as escolhas que faço de livre consciência. E não te vou deixar desaparecer. Tu nunca desististe de mim. Como tal, eu não planeio desistir de ti.

Tão rápido como tinha entrado ela saiu do centro do seu interior. Com lágrimas nos olhos, ela viu a fada a toca-lhe ao de leve na cara e com as suas pequenas mãos limpou as lágrimas salgadas que rolavam pela face da jovem. Cores espalharam-se por todo o lado. Os animais começaram a cantar, cada um à sua maneira, ao som da melodia que tinha novamente começado. A jovem e a sua companheira continuavam ali, paradas no meio da clareira, alheias a tudo, olhando nos olhos uma da outra, decifrando as suas almas, tudo o que eram, foram e serão. A magia começava a solidificar-se e a cair como se fosse neve colorida, avisando que iria cobrir toda a floresta com os seus flocos arco-íris. Infelizmente a jovem não chegou a ver tal maravilha, quando fechou os olhos para apenas sentir toda aquela felicidade e paz que a abraçava foi puxada para outro universo.

Quando voltou a abrir os olhos estava deitada na sua cama. Tinha voltado a casa e tudo aquilo não passava de um sonho. Desilusão! Eterna tristeza e solidão… Que sorte a dela! Tinha mais uma vez perdido tudo. Os carros passavam frenéticos na estrada de alcatrão, as pessoas tagarelavam sobre tudo e ainda era de manhã. Na mente daquela jovem apenas habitava uma coisa: Liberdade. A sensação que ela tinha experimentado quando voou. Sentiu-se livre, mágica, como nunca tinha sentido. Mas aquilo não tinha passado de um sonho. Ou terá sido uma visão? Talvez ela tivesse não a sonhar mas a vaguear pelo seu interior, alias, pelas várias camadas que constitui o nosso ser.

- Oh querida Ruby, serás tu realmente parte de mim? Serei eu capaz de voar? Serei eu capaz de controlar aquela magia que me impressiona, aquela magia que faz com que toda a terra fique coberta de um manto de flocos coloridos?

Tantas perguntas que ela tinha para expor porém talvez as coisas tivessem de ser assim, talvez ela estivesse destinada a descobrir por ela própria. Talvez esta desilusão traga algo de bom. Agora ela sabia. Teria de ter coragem porque com a ajuda do seu anjo da guarda, quer dizer a sua fada da guarda, tudo iria correr bem. Ela tinha uma voz, ela era poderosa e não podia desistir. A Ruby nunca desistiu de tentar mostrar-lhe a verdade por isso ela não iria fazer com que todos os esforços da fadinha de asas azuis fossem desperdiçados.

O dia passava, tão rápido como a chuva. Já estava a anoitecer e a jovem continuava a pensar no significado do sonho. À medida que o sol desaparecia as primeiras estrelas começava a aparecer no céu azul negro. Ela podia não ser uma estrela brilhante mas ela podia seguir as estrelas que iluminavam o céu e encontrar o caminho. E talvez um dia, daqui a muitos anos, ela se transformasse numa estrela e possa guiar muitas outras crianças, jovens e adultos que se sentirem perdido.

Possivelmente, um dia deste, ela voltará a encontrar a Ruby e agradecer-lhe. Mas por agora apenas resta-lhe respirar fundo e viver os dias tal como a sua companheira lhe mostrou. Viver verdadeiramente, porque viver numa ilusão só traz dor a longo prazo e cicatrizes que para sempre marcaram a nossa essência. Além disso devemos pensar positivamente: Aquilo que não nos mata acaba por nos tornar fortes e apenas vivemos uma vez neste mundo, temos de aproveitar. Escolher uma carreira que nos vai proporcionar satisfação. Amar, e muito. Apoiar a família pois eles estarão para sempre ao pé de nós. Escolher os amigos e mante-los por perto, eles irão ajudar-nos sempre, nos bons e nos maus momento, quer nos queiramos quer não. Planear o futuro mas não esquecer que temos de aprender com os erros do passado para poder viver um bom presente.

Viva a Liberdade! Viva a Coragem! Viva a fada Ruby, a jovem que aprendeu a verdade e o mundo que a tornou no que era! Viva a todos os jovens, que tal como ela, vivem e tentam nunca cair no profundo lago! Viva aos contos de fadas! Viva a eterna Realidade para sempre presente nas nossas vidas, quer tenhamos os pés no chão, quer estejamos a voar pelas nuvens brancas e fofinhas.

“Todos sabem o seu verdadeiro nome e aquilo que são se pensarem bem e se seguirem a corrente que os leva ao seu interior. Apenas tem de acreditar neles próprios.” – Ruby

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Sonhos, promessas e desejos esquecidos


Era um dia de sol, o vento quente fazia o meu cabelo voar e o aroma a flores que se sentia no ar era maravilhoso. A rua estava infestada de néscio, idiota, pessoas irresponsáveis e crianças perdidas mas mesmo assim o dia parecia alegre. Talvez a ignorância e a estupidez tivessem deixado as pessoas cegas ao sofrimento que os ingratos provocavam às pessoas que antes as tinham cobrido de alegria e ouro. Mais à frente crianças, inconscientes e selvagens, brincam como mais ninguém sabe. No parque um jovem promete a lua à sua amada, mal sabe ela que nem sempre se consegue cumprir o que se promete ao sabor da paixão.

Tantas promessas que eu vi voarem sem serem cumpridas, tantos sonhos perdidos por estupidas coisas, coisas fúteis. Tantos corações partidos que me apareceram à frente, tantas rosas morreram nas minhas mãos que eu cheguei mesmo a pensar que todas as injustiças, toda esta parvoíce de vida e mundo fosse culpa minha. Pensei que se negasse algumas coisas, se desaparecesse com todos os sentimentos que tinha as coisas mudariam, pensei mesmo que a minha alma fosse a culpada do cinzento manto que cobria a vida.

Tentei escrever cartas, tentei acalmar a raposa branca gigante e solitária que partilhava a minha alma com aquele ser mágico que nunca antes tinha visto; ser que inundava o meu lar mental com uma luz incandescente. Mas as ruas continuavam infestadas, no parque o jovem continuava a fazer promessas e eu continuava a ver um futuro negro para todos nós. Não sei se o que eu fiz (ainda que mentalmente) mudou para pior a vida na nossa suposta realidade. Ao longe as crianças continuam a brincar nos jardins das suas casas, no parque ou em casa de amigos e as pessoas ingratas continuam a massacrar tudo e todos sem descanso.

Vivemos num mundo doloroso. As pessoas não percebem o quanto delicada é a vida, o quanto doí e o quanto sofremos. Muitas pessoas dizem para pararmos de dizer mentiras e aproveitarmos a vida, outras dizem que devemos pensar no futuro, e existem outras que choram pelo passado e estão constantemente a criticar os que não mostram que tem pena dos outros e que não choram pelo triste passado deles próprios e dos outros. Podemos ter pena de vez em quando e atendendo a certas circunstancias mas todos somos diferentes, e ninguém pode obrigar ninguém a ser como eles querem que os outros sejam.

Talvez se as pessoas não fossem assim também não haveria muitas outras coisas: livros com personagens tão estupidas que se tornam cómicas, textos que reflitam sobre essa estupidez, ideias boas que surgiram da boca de um doido mas que foram aplicadas por cientistas, esses antes de serem considerados homens e mulheres de ciência foram tolos, e a ciência antes era o conjunto de tolices. Eu não devo fugir desse grupo de tolos. Tola sou aos olhos de todos os que não me compreendem.

Ideias de uma bruxa. Palavras de uma bruxa. Quem acreditaria se eu dissesse o que vejo quando olho para as pessoas? Agora que o sol tinha desaparecido e que as crianças estavam em casa, apenas restava os pais que vinham do trabalho, cansados mas que mesmo assim abraçam e leem uma última historia para os seus filhos. Também eu fui uma dessas crianças e um dia serei um desses pais. Agora que o jovem tinha deixado a sua amada e estava rumo a casa, eu finalmente via; as promessas mantinham-se no parque, imoveis tal como eu esperava. Por mais que ele queira as promessas não seguiam o seu coração.

O mundo em que vivemos nem sempre faz o que esperamos. Quando queremos que algo acontece nem sempre é quando esperamos e às vezes nem acontece de todo. A rapariga espera ver tudo que o seu amado prometeu mas a história dela não é a de Romeu e Julieta, aquela história de amor que a mãe lhe lia quando ela era criança. As crianças que estão agora deitadas esperam do mundo algo magnífico, mas a vida não é o País das Maravilhas ou a Terra do Nunca. Os pais que agora tentam descansar desejam que um dia os seus filhos não tenham as mesmas dificuldades que eles estão a ter mas o universo não pode garantir isso.

No fim os sonhos voam altos e os desejos ainda mais alto. Na lua a Senhora Azul canaliza todos as esperanças e escrevi nos seus inúmeros pergaminhos tudo o que no universo flutua. Não ver concretizado muitos dos seus sonhos e desejos não impede as crianças, os jovens e os adultos de pedir, desejar e até sonhar. Eles têm fé que um dia sejam recompensados e que o que realmente desejam (independentemente de eles terem ou não consciência do que possa ser) lhes seja oferecido.

Também eu peço e desejo. Também eu sonho. Mesmo sendo o que sou, tenho fé. Espero que um dia a Senhora da lua me possa recompensar; talvez me leve para a lua e eu me torne a sua pupila. Talvez um dia quando o sol, a lua e o arco-íris forem um só, eu me possa tornar na Senhora Azul, ser louvada pelos seres humanos que continuaram a viver neste mundo e conceder desejos aqueles que merecem quando merecem. Serei aquela que verá as injustiças e os sonhos despedaçados. E um dia quando as três luzes se juntarem novamente o meu ciclo termina e um novo começa, tal como com toda a vida neste vasto espaço.

sábado, 7 de abril de 2012

A história da bailarina dourada


Era uma vez, numa terra que não fica no país das maravilhas, vive uma jovem de cabelos claros e olhos cintilantes. A história dela não é nenhum conto de fadas, não existe a fada madrinha como os sapatinhos de cristal e a carruagem, não existe a mansão enfeitiçada e a rosa que brilha, não existe fadas madrinhas com os seus desejos, e definitivamente não existe nenhum final “felizes para sempre” com pétalas de rosa espalhadas pelo céu. Nesta terra e nesta história a vida é difícil até ao fim e a história desta magnifica rapariga não é diferente.

Tudo começa no quarto, fotos espalhadas pelo chão, roupas em cima da cama e a rapariga a olhar seriamente para o espelho mas ao mesmo tempo com esperança. “Espelho meu, espelho meu” poderia ela começar, mas esta realidade não é nenhuma fantasia. Todos os dias os bastardos que existiam naquela vila tentavam com toda a sua força atormenta-la, rebaixa-la até ela estar no fundo do buraco que eles próprios cavaram. Usam as palavras como se fossem espadas. O que eles não sabem é que no suposto conforto do seu quarto ela, enquanto os seus olhos fixam o grande espelho, a sua mente aponta os seus inúmeros defeitos.

Lágrimas rolam pelo seu rosto, desejos cobrem o ar e no céu as nuvens passam lentamente pelo mundo cinzento. Deitada na sua cama, ela tenta juntar todos os pedacinhos de si ao mesmo tempo que sonha com os problemas a derreterem como se fossem cubos de gelo. Pedidos às estrelas cadentes e aos anjos que a vigiam para além do horizonte. Pedidos para voar, sair da vilazinha ignorante e poder ver como é a primavera nos outros países. Dançar ao som das grandes músicas e sorrir quando o sol nasce. Amar e sentir-se amada. E talvez um dia, um príncipe encantado a levasse para longe daquela terra e lhe oferecesse um quarto cheio de velas e pétalas de rosas.

Imortal e incansável, a dor seguia-a por todo o lado. Ela misturava-se com o desejo e fantasia. Gritava por nada, fazendo a pobre rapariga dançar sozinha no escuro quarto com as lágrimas no rosto e a solidão como parceira. A dor ameaçava torná-la num fantasma que dançaria para toda a eternidade, o espelho mostrava a rapariga que antes ela fora e o vento cantava uma calma e doce melodia. A sua alma despedaçada pedia desesperadamente para que os seus pedaços se juntassem e não deixassem a ilusão abraçar a frágil memória da criança que antes vivia naquele quarto e agora apenas vivia no antigo espelho de ouro.

Dançando em sincronia com a rapariga do espelho, ela tentava aos poucos abafar a dor e seguir em frente. Lutando contra o medo, lutando contra o frio da noite e pedindo à solidão para a embalar até ela adormecer. Como por magia o quarto tornou-se vazio, apenas restava o velho espelho. “Estás à espera do quê? Tens de reagir! Tens de sair desse buraco. Ele foi cavado por inúteis e ignorantes, tu não tens de estar ai. Não pertences nesse sítio húmido e escuro. Sê forte!” A voz vinha do interior do espelho, vinha da criança que ela antes conhecia, a rapariga que ela antes fora e que agora desejar voltar a ser. Os anjos começaram a cantar e uma luz brilhante aparece no lugar onde antes era o teto do quarto.

Mais uma vez a dor rompeu a fina camada que separava a alma partida do mundo exterior. A sua respiração tornou-se acelerada e confusa, o medo ameaçava atacar e leva-la para um patamar mais fundo daquele buraco infinito. Ela tentou esticar-se, tentou tocar na luz. Ela queria sair daquele lugar escuro e assustador, virar as costas e nunca mais lá voltar. Infelizmente não conseguiu, a luz estava demasiado longe. “Dança. Deixa a dor sair e conseguirás voltar à realidade. Dança e conseguirás viver.”

Dançando apaixonadamente ela conseguiu secar as lágrimas e sarar o coração. Os anjos continuavam a cantar e a luz era cada vez maior. Era ela que ia em direção da doce jovem e não o contrário. Juntamente com a música e a luz vinha a esperança. Quando a rapariga chegou ao seu verdadeiro quarto tudo estava como antes exceto o velho espelho que começava agora a transformar-se em pó dourado. E à medida que os anjos terminavam de cantar o pó mágico voava em direção ao cabelo da bailarina.

Quando as vozes desapareceram a luz desapareceu também mas desta vez a frágil bailarina já não era a mesma. Agora ela sabia qual o seu verdadeiro poder e sabia que no futuro muitas dificuldades iriam aparecer camufladas nas asas dos corvos. Nessa altura ela apenas tinha de se lembrar das palavras da menina vestida com as últimas chamas do sol, que agora se ponha no horizonte, e da magia que o velho espelho lhe tinha dado.

A partir de agora ela teria de lutar porque a vida não é um conto de fadas e ela não vive no país das maravilhas nem tem fadas madrinhas. Apesar disso, ela tem a Força de mil guerreiros e a Graciosidade de mil bailarinas, apenas teria de se lembrar que as feridas continuam a estar lá, transformadas em cicatrizes que não doem. E se ela não se esquecer das doces palavras de encorajamento tudo acabará por se resolver; independentemente do resultado, ela tem apenas de acreditar e lutar.
Este texto foi escrito especialmente para uma rapariga que me inspirou, Vanessa Brites. Sê forte querida. Luta pelo que queres e nunca deixes que os outros te empurrem para o buraco. Lembra-te eles não são melhores do que tu e tu tens direito de seres como és. Mas acima de tudo: Sê FELIZ! (Tu mereces.)

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Somos guerreiros monstros

Às vezes é difícil de lutar contra a maré, principalmente quando é noite e a lua e as estrelas desapareceram. Os acidentes acontecem, pessoas morrem, nos perdemos a força para lutar e a vida parece não ter sentido nenhum. Os amigos fugiram de nós enquanto nos chamavam monstros. Dizem que não passamos de bastardos indesejados e que apenas existimos por sorte, nem sequer nos deixam explicar o que se passa, o que sentimos e o que pensamos. Não nos deixam dizer, gritar se for necessário, que sim, estamos partidos. Somos brinquedos partidos nesta grande e escura oficina. Não somos lixo, não somos sortudos por termos nascido, somos apenas seres humanos que tentam viver à sua maneira, mesmo que seja esquisita e incompreensível.

Monstros… Será que as pessoas sabem o que são monstros? Ou será que o que elas querem dizer é que somos esquisitos ou fora do normal? Não somos todos diferentes uns dos outros? Não percebo qual é a diferença entre nós, os monstros, e eles, os humanos. Pensei que monstros fossem aqueles que nos assombram os sonhos e se escondem na escuridão. Não percebo como é que nós podemos ser esses monstros. Eu apenas assombro os meus próprios sonhos e se é o facto de gostar da escuridão que me faz ser um monstro então vocês são o quê? Se só por não termos medo da dor isso nos torna monstros então é o que somos.

Uma lição que aprendi á algum tempo é que devemos aceitar o que somos e o que o universo nos dá. Se não aceitarmos o que somos como podemos ter relações e esperar que os outros nos percebam. O problema é quando os outros não querem saber o que somos, apenas ligam ao que lhes interessa. Para eles somos monstros, para eles sou a bruxa que mais parece um furacão, mas não me interessa. Aceito que sou uma bruxa, aceito que sou o monstro que talvez atormente os vossos frágeis sonhos de criança. Aceito porque sei que sou forte e que nenhum dos bastardos ingratos e néscios me vai fazer cair novamente.

As minhas feridas podem ter sarado mas a dor continua lá, por isso é que me tornei forte. Agora não luto para apagar a dor, tomei-a como minha e aceitei o que ela é, por isso agora é mais fácil. Serei o monstro porque tomei a dor como minha? Se sim, então é o que sou e nada posso fazer. A dor faz parte do que somos, assim como a alegria e a solidão. Monstros… Talvez sejamos… Será que olhar para o mundo de maneira diferente é mau? Será uma coisa assim tão monstruosa? Todos olhamos para as coisas de maneira diferente, sendo assim todos são monstros. Cruéis, assassinos e demoníacos… Nem todas as pessoas são más, nem todas são boas, logo nem todos os monstros são de os brutos e insensíveis que vocês pensam.

Se somos monstros e se vocês afirmam que o somos, então pelo menos tenham a decência de nos diferenciar. Se querem afastar-se de nós, se querem aniquilar-nos então vocês são tão monstros como nós. Não nascemos como monstros. Não somos a vossas marionetas, é por isso que vocês não gostam de nós. Não fazemos o que as crianças mimadas querem. Não deixamos de lutar contra o vosso reinado. Só por queremos coisas diferentes das princesinhas e principezinhos dos papás e das mamãs, somos considerados monstros. Injustiça!

Monstros, bruxas, demónios, aberrações, insensíveis e cruéis… Olhando para o passado vejo uma menina que encheu oceanos com as suas lágrimas salgadas, mas dentro do seu coração vejo um anjo negro. Talvez seja impressão minha, talvez esteja a ser paranoica, talvez seja mesmo má. Começo a ter dúvidas porque o futuro não é certo mas por agora vou dormir. Vou esperar que a lua apareça e me ilumine. Esperar porque ter paciência é essencial em muitas situações. Vou esperar que quando a lua nos ilumine todo o mundo possa admirar a bela daqueles que ele apelidou como sendo os Monstros.

Se tiver destinado a acontecer então vai acontecer, entretanto teremos de esperar. Esperar enquanto a lua ganha coragem para pedir ao sol para ele a iluminar e ela poder refletir a luz na nossa direção. No fim seremos nós os guerreiros nesta infinita batalha pela imortal diferença. Adeus aos humanos. Adeus aos monstros. Adeus à injustiça que nos atraiçoa a cada passo que damos. Adeus ao mundo porque este muda sempre que um de nós, monstros ou humanos, muda. E olá eterna Lua!