Era uma vez, numa terra que não fica no país das maravilhas, vive uma
jovem de cabelos claros e olhos cintilantes. A história dela não é nenhum conto
de fadas, não existe a fada madrinha como os sapatinhos de cristal e a
carruagem, não existe a mansão enfeitiçada e a rosa que brilha, não existe
fadas madrinhas com os seus desejos, e definitivamente não existe nenhum final
“felizes para sempre” com pétalas de rosa espalhadas pelo céu. Nesta terra e
nesta história a vida é difícil até ao fim e a história desta magnifica
rapariga não é diferente.
Tudo começa no quarto, fotos espalhadas pelo chão, roupas em cima da cama
e a rapariga a olhar seriamente para o espelho mas ao mesmo tempo com
esperança. “Espelho meu, espelho meu” poderia ela começar, mas esta realidade
não é nenhuma fantasia. Todos os dias os bastardos que existiam naquela vila
tentavam com toda a sua força atormenta-la, rebaixa-la até ela estar no fundo
do buraco que eles próprios cavaram. Usam as palavras como se fossem espadas. O
que eles não sabem é que no suposto conforto do seu quarto ela, enquanto os
seus olhos fixam o grande espelho, a sua mente aponta os seus inúmeros
defeitos.
Lágrimas rolam pelo seu rosto, desejos cobrem o ar e no céu as nuvens
passam lentamente pelo mundo cinzento. Deitada na sua cama, ela tenta juntar
todos os pedacinhos de si ao mesmo tempo que sonha com os problemas a
derreterem como se fossem cubos de gelo. Pedidos às estrelas cadentes e aos
anjos que a vigiam para além do horizonte. Pedidos para voar, sair da vilazinha
ignorante e poder ver como é a primavera nos outros países. Dançar ao som das
grandes músicas e sorrir quando o sol nasce. Amar e sentir-se amada. E talvez
um dia, um príncipe encantado a levasse para longe daquela terra e lhe
oferecesse um quarto cheio de velas e pétalas de rosas.
Imortal e incansável, a dor seguia-a por todo o lado. Ela misturava-se
com o desejo e fantasia. Gritava por nada, fazendo a pobre rapariga dançar
sozinha no escuro quarto com as lágrimas no rosto e a solidão como parceira. A
dor ameaçava torná-la num fantasma que dançaria para toda a eternidade, o
espelho mostrava a rapariga que antes ela fora e o vento cantava uma calma e
doce melodia. A sua alma despedaçada pedia desesperadamente para que os seus
pedaços se juntassem e não deixassem a ilusão abraçar a frágil memória da criança
que antes vivia naquele quarto e agora apenas vivia no antigo espelho de ouro.
Dançando em sincronia com a rapariga do espelho, ela tentava aos poucos
abafar a dor e seguir em frente. Lutando contra o medo, lutando contra o frio
da noite e pedindo à solidão para a embalar até ela adormecer. Como por magia o
quarto tornou-se vazio, apenas restava o velho espelho. “Estás à espera do quê?
Tens de reagir! Tens de sair desse buraco. Ele foi cavado por inúteis e
ignorantes, tu não tens de estar ai. Não pertences nesse sítio húmido e escuro.
Sê forte!” A voz vinha do interior do espelho, vinha da criança que ela antes
conhecia, a rapariga que ela antes fora e que agora desejar voltar a ser. Os
anjos começaram a cantar e uma luz brilhante aparece no lugar onde antes era o
teto do quarto.
Mais uma vez a dor rompeu a fina camada que separava a alma partida do
mundo exterior. A sua respiração tornou-se acelerada e confusa, o medo ameaçava
atacar e leva-la para um patamar mais fundo daquele buraco infinito. Ela tentou
esticar-se, tentou tocar na luz. Ela queria sair daquele lugar escuro e
assustador, virar as costas e nunca mais lá voltar. Infelizmente não conseguiu,
a luz estava demasiado longe. “Dança. Deixa a dor sair e conseguirás voltar à
realidade. Dança e conseguirás viver.”
Dançando apaixonadamente ela conseguiu secar as lágrimas e sarar o
coração. Os anjos continuavam a cantar e a luz era cada vez maior. Era ela que
ia em direção da doce jovem e não o contrário. Juntamente com a música e a luz
vinha a esperança. Quando a rapariga chegou ao seu verdadeiro quarto tudo
estava como antes exceto o velho espelho que começava agora a transformar-se em
pó dourado. E à medida que os anjos terminavam de cantar o pó mágico voava em direção
ao cabelo da bailarina.
Quando as vozes desapareceram a luz desapareceu também mas desta vez a
frágil bailarina já não era a mesma. Agora ela sabia qual o seu verdadeiro
poder e sabia que no futuro muitas dificuldades iriam aparecer camufladas nas
asas dos corvos. Nessa altura ela apenas tinha de se lembrar das palavras da
menina vestida com as últimas chamas do sol, que agora se ponha no horizonte, e
da magia que o velho espelho lhe tinha dado.
A partir de agora ela teria de lutar porque a vida não é um conto de
fadas e ela não vive no país das maravilhas nem tem fadas madrinhas. Apesar
disso, ela tem a Força de mil guerreiros e a Graciosidade de mil bailarinas, apenas
teria de se lembrar que as feridas continuam a estar lá, transformadas em
cicatrizes que não doem. E se ela não se esquecer das doces palavras de
encorajamento tudo acabará por se resolver; independentemente do resultado, ela
tem apenas de acreditar e lutar.
Este texto foi escrito especialmente para uma rapariga que me inspirou, Vanessa Brites. Sê forte querida. Luta pelo que queres e nunca deixes que os outros te empurrem para o buraco. Lembra-te eles não são melhores do que tu e tu tens direito de seres como és. Mas acima de tudo: Sê FELIZ! (Tu mereces.)
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