Não será decerto a
memória de um pôr-do-sol a última cor na minha mente. As cores vivas a bailarem
num céu outrora desprovido da mais quente de todas as emoções. O beijo suave
dos raios finais de um dia repleto de incidentes e mistérios. Não será decerto
essa a memória cortante no meu peito, a rasgar pela pele e a libertar-se do meu
corpo com uma explosão sacrificial. Ou talvez seja essa a imagem nos meus olhos
escuros. A imagem de um sol para lá de um horizonte perdido, para lá de um mar
escuro e das possibilidades embarcadas no navio inquebrável.
O espírito mudo, vive
onde nunca outro melodramático pesadelo viveria, no país longínquo da saudade, da
dolorosa paixão após ser despida das suas cores. Num perfeito mundo, a loucura
deixaria a alma sossegada no seu canto, no seu para sempre paraíso. Num mundo
perfeito, a pequena não cairia no buraco, a borboleta não perderia a força, o
mar não bateria violentamente nos rochedos. Num mundo desprovido de dor, de maléficas
populações com as suas deprimentes ações, tudo pareceria um pouco mais usual,
mais quieto, porque a verdade não existira. Como poderia existir verdade se a
mentira não a chamava? Se só existisse um lado do mundo, uma versão dos
eventos, uma poção para todas as causas, nenhuma doença viveria, a degradação
morreria, a morte não seria se não a mudança.
Esse mundo, por mais
apelativo que possa soar, não passa de uma construção metal da vontade dos
seres humanos quando buscam a solução para os problemas. Nem mesmo a minha
memória de um pôr-do-sol carismático poderá sobrepor-se á minha busca pela
perfeição. Se não buscássemos o que, maioritariamente, não conseguimos alcançar,
os nossos restantes sonhos não passariam de pesadelos. É a nossa fé na vitória
que nos leva a lutar pelos objetivos, por mais dementes que venham a ser, por
mais mortais e por mais imperfeitos que sejam os dias. E o toque, a lâmina fria
a penetrar na minha alma, aquela batalha interior que todas as malditas noites
tenho com a minha alma, nada me poderia preparar para o novo dia, nada me
poderia fazer desistir da loucura.
Um golpe no meu consciente,
não mais louvável, deixa as minhas forças longe do recuperável num segundo. A
voz dos raios de sol leva a memória para um distante passado nos confins da
minha indeterminada mente. Não será decerto a memória de um pôr-do-sol a última
cor na minha mente. E um sorriso seria pedir demais a um espírito para além do
meu alcance. O espírito mudo, só após uma conquista, desiludido com o mundo
imperfeito, atento à melodia cristalina de um vento nórdico. Louvados sejam os
anjos a ligarem a pele rasgada e a untarem o bálsamo nas minhas feridas. Não
será decerto a memória desse ardente pôr-do-sol a reinar a minha confusa mente.
Será o fogo a reacender no futuro ilustre. Num cair do dia…