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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Boneca de porcelana num dia de neve



Vejo o azul perdido dos olhos vidrados. A pele branca, como a escadaria de mármore, perde o seu brilho e o seu calor. As lágrimas secas, depositadas nas bochechas sem vigor. Os lábios vermelhos tentando os amantes. Os longos cabelos ondulam pelas suas costas como uma cascata negra. Tudo para atingir a postura de uma boneca de porcelana. A beleza prometida durante a primeira queda de neve.
O frio a cobrir a promessa passada, cruelmente sacrificando-a em prole da sua sobrevivência. Os arrepios de prazer numa manhã de solene exploração de um novo dia. O toque das mãos ásperas do guerreiro. Num dia… Um simples e monótono dia, onde nada mais se pode esperar que não andar pelas ruas e ver o tempo passar. Nesse mesmo dia, por mais que ela queira erguer-se da cadeira e observar o mundo, é impossível. Não porque o seu corpo é demasiado frágil. Não… Essa não é de todo a razão.
A petrificação do seu corpo levava-a a deixar para trás tudo o que antes louvava. O caminhar pelas ruas. A monotonia de um dia de neve. O passeio pelo jardim, sol a bater na cara e pássaros a cantar. Agora… Devido à promessa passada. Devido à beleza antes nunca alcançada, se não pelas mãos do trabalhador dotado. Devido ao desejo de vir a ser a boneca sentada numa cadeira e ver o seu mestre criar outras como ela. Devido a todo o tempo perdido a desejar aquilo que nenhuma mulher tinha. Ela iniciou a transformação. Boneca de porcelana num dia de neve.
A razão… A derradeira, cruel e fria razão para ela não sair é o seu desejo. Com a cabeça ligeiramente inclinada para a direita, observando os seres humanos a passarem na rua, ela espera. Espera obter a beleza prometida durante a primeira queda de neve. O dia de verão nada trará se não a vontade de receber o toque do sol e receber o arrepio do vento quente. De voltar a ver o guerreiro que antes partira para a guerra. De receber o seu toque. Porém, ela fica quieta. Respirando calmamente, vendo o dia passar até a noite chegar e a cama a acolher de braços aberto.
Apenas ela sabe. Apenas ela aguarda quieta, na mesma cadeira. Petrificando lentamente. Não será a beleza física que a chama agora. Talvez na noite anterior fora. Não nesta manhã. É a beleza do dia em que a porta abrira e que o vento traga o toque áspero daquele que prometera encontra-la na loja das bonecas de porcelana. Nem lágrimas nem sorrisos. Petrificação pela espera. Batom vermelho preste a ser quebrado. Pele branca desejando por receber o corar da humanidade nela. Cabelos pedindo para serem tocados.
E ela espera. Olhando pela janela da sua loja. Rodeada pelas bonecas que criara. Bonecas que, tal como ela, aguardavam o dia em que o seu destino entrasse pela porta e as abraçasse. A beleza de tal dia. A Boneca de porcelana esperando pelo dia. Por ver a promessa passada, cumprida. O sacrifício do seu corpo parcialmente petrificado em prole da promessa. Sentada ela fica. Dia após dia… Respirando suavemente. Cabelos deslizando como correntes de água negra. Olhos azuis perdidos no horizonte, copiando o movimento do céu. E espera… Na cadeira ela espera…

3 comentários:

Nadine Mendes disse...

Estaa mesmo giroo :)

Continua!

:)

Unknown disse...

Obrigada Nadine. :)
Podes ter a certeza que vou continuar. :D

Ana Alves disse...

Olá

Que excelente partilha.

Beijos
http://www.pratocaseiro.blogspot.pt/