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sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

O Mundo dos Vidros



Pequena luz por entre o nevoeiro. Seduzindo-me com o seu brilho falso. Dois passos a caminho da perdição e três para perder a mente. Sinto a rajada de vento. Caio no chão e firo as mãos com os vidros de todas as janelas partidas dos quartos queimados. Forço as minhas pernas a suportar o peso do meu corpo. O partir dos vidros debaixo dos meus pés ecoa com as passadas rápidas daqueles que correm para a luz. Olho para trás. Vejo a escuridão de que todos fogem.
Vejo os pequenos corpos apressarem-se, tropeçarem e saltarem, chegarem cada vez mais perto da luz. Cambaleio para a esquerda. Agacho-me tentando ganhar o equilíbrio. As minhas mãos ensanguentadas tocam nos estilhaços brancos. Por entre o misto vejo as manchas vermelhas no local onde tinha acordado e caído. O cheiro acobreado do líquido escarlate escorrendo pela palma das minhas mãos, mistura-se com o salgado das lágrimas involuntárias. O coração escapa uma batida. A escuridão aproxima-se.
Ordeno o meu corpo a erguer-se do chão de cacos. Forço o ar pesado a entrar nos meus pulmões cansados. O coração volta a falhar levando as minhas pernas com ele. Sinto-me a sufocar. Levo as mãos ensanguentadas ao pescoço, tentado libertar-me o mais rapidamente daquilo que me prender. Os meus dedos percorrer todos os milímetros de pele, agora, manchada. Nada… Pura e simplesmente pele. Forcei novamente. Inspirei… Expirei… Inspirei… Expirei… Voltara a respirar. O coração voltou a bater descontroladamente. A escuridão parou.
Vi um vulto passar por mim. Corria também em direção à luz. Todos corriam em direção à falsa luminosidade nos confins daquela parede inexistente. Algo parecia errado. Seria a minha tentativa de segui-los? Seria a loucura? Ou seria o coração? Definitivamente soava a imperfeita e diabólica loucura. O que fazia a minha mente acelerar para se perguntar: Seria mim ou deles? Olhei para trás. A escuridão avançou.
Tentei concentrar-me no bater inconstante do meu coração em vez dos passos insanos de quem quer que me rodeava. Tuntum… Tuntum… Pausa. Recomeça. O tambor dentro do meu peito parecia aceitar a minha tentativa de concentração. Auxiliava o meu pensamento. Olhei para a frente. A luz ainda brilhava. Tanto como antes brilhara. Tanto que parecia um sono. Parecia imaginação. Seduzindo-me pela segunda vez. Deixei o olhar tombar no chão de vidros, salpicado com o poder vermelho do meu fraco corpo. A escuridão voltou para trás.
Ergui-me. Tremelicando pela falta de força e pela atração que me puxava para o lado fictício. Era o que acreditava. Virei costas. Inspirei. Expirei. Minha loucura? Minha perdição? Ou será a minha salvação? Dois passos a caminho da perdição e três para perder a mente. Qual era a verdade e qual era a ficção? O vento soprou, sacudindo o pó de vidro dos meus cabelos. Trazendo uma nova camada de neblina.
Cerrei as mãos. A dor latente perfurou-me os ossos. Dei dois passos. A luz continuava a puxar. Fascinando-me com sons excruciantes e imortais. Dei mais um passo. A escuridão cobriu o Mundo dos vidros. De nada me servia, porém não neguei ao corpo o doce poder do adormecimento. Que mais poderia oferecer quando loucura e teimosia era aquilo que corria nas veias. Escutei cada batida do coração. Uma… Duas… Três…

2 comentários:

Nadine Mendes disse...

Gosto da tua maneira de escrever.
E gostei muito deste texto :)

Unknown disse...

Obrigada Nadine. :) Obrigada mesmo...