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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A Existência do Mar de Rosas



O som cortante do vento penetra a minha mente cansada. Os meus olhos fecham. Pálpebras pesadas e iris gelada, como se o pilar daquilo que sou tivesse coberto de gelo e frio avassalador. As palavras perdidas no vazio que é o meu coração. Perdidas no fundo do abismo aterrador. A suavidade com que a escuridão me atinge é inimaginável. A imperfeita dose de corrupção e solidão é imbatível naquele lugar. O sofrimento provocado pela tentativa de me proteger do líquido primitivo, é solenemente pintado na minha pele.
Petrificada e consciente dos horrores da, poluída e imortal, alma que habita o meu corpo decide fazer. Parto continuamente o vaso sagrado da minha infância, enquanto a música do violoncelo toca brandamente. Nego a minha loucura. Nego a sua existência maquiavélica. Mutilo aquilo que resta da minha sanidade e sorrio enlouquecida com o sangue a escorrer pelas minhas mãos.
Sangue que não é meu. O meu perdeu contra o líquido fel, que reinava nas masmorras da minha mente. E o sentimento de derrota não ajudava a minha verdadeira natureza. Fazia-me vibrar, sorrir ao ver as minhas mãos tingidas de puro escarlate. Pés assentes no fundo da pequena poça de mel vermelho. O som, agora frenético, do instrumento mortal torna-me sedenta por mais um copo do néctar que fora coberto de vida. Parti a minha pureza em milhares de pedaços. Não havia volta a dar depois de estar um passo mais perto do terror.
Sujo as paredes brancas com aquilo que não é meu. Satisfaço a minha morbidade com o deleite de ver cobertas todas as imagens do incerto. De ver as telas por pintar, marcadas a seco pelos impuros. Loucura ampliada pela música que ecoa no espaço infinito da saudade. Lágrimas a escorrerem pela minha face, como água a descer numa cascada. Lábios vermelhos a tremerem num sorriso macabro.
As notas da canção saltam pelo ar e refletem nas paredes manchadas. A beleza da imperfeição e da insanidade não me deixa descansar em paz. Não há paz. Apenas sofrimento, satisfação e pesadelos. Somente brilha o fogo consumidor durante a noite. Escuridão em redor da solidão. Sangue derramado no vaso da mente. Sangue que não é meu. Sangue que vi ser espalhado pelos anjos da noite.
Perdição no mar de rosas. Se é que tal maravilha exista. A vida perfeita, sem preocupações, sem momentos insanos. A sorte de poder algum dia nos vermos perdidos nesse mar é a ambição de milhares. Até, talvez, minha. Talvez também, eu realmente queira deixar o quarto tingido para viver num mundo onde as únicas cores são as flores e as árvores. Onde as únicas cores vivas são as dos animais e da nossa pele. Será o absoluto adeus aos olhos e cabelos arco-íris. Será unicamente branco.
Não. Não acredito que seja esse o destino que desejo escolher. Um mundo onde perderíamos a loucura. Que mundo seria esse que aquilo que nos torna sãos é aquilo que nos priva da nossa escuridão? Nada de nada. Ocorrerá o fim antes do fim. O que parece bom é na realidade mau. Nada é o mar de rosas. E se tal mar exista então foi altamente elevado a uma existência improvável. Duvido que a sua existência seja tão simples. Não será então por amor. Nem mesmo pureza. Será por loucura!
Será por essa razão que recusarei a entrada no barco. Para ter a insanidade que tenho direito. Será pelos olhos cansados e as paredes tingidas. Será por ver os anjos da noite cobrirem a minha casa com véus de escuridão e luminosidade. Para ter a minha vida como deve ser e não pincelada perfeitamente. A imperfeição é o que me faz sorrir. É isso que me faz molhar as mãos no lago vermelho e sentir-me demente. Porém, é o que me leva a levantar de cada vez que caiu no abismo. A sua existência é o que me leva a sair e a abrir os olhos. Porque nada existe neste mundo se um pouco de loucura e fé.

2 comentários:

Nadine Mendes disse...

Gostei muito do teu texto.

continua a escrever :)

:)

Unknown disse...

Muito obrigada Nadine :)
Podes ter a certeza que continuarei a escrever.