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terça-feira, 4 de junho de 2013

Passo a passo no caminho de areia


Para a Rute. A minha 'twin', a minha irmã de outra família, a minha melhor amiga.

Um trovão rompe o céu com uma explosão de luz. Eu era nova e a história não tinha sido ainda contada. Mais um trovão e mais uma estrofe cantada pelos anjos. O mar nem sempre fora monótono e o jardim desprovido de essência. Eu bem me lembrava do tempo em corria por entre os canteiros e pisava a relva húmida. Do tempo em que deixava pegadas na areia molhada porque me fazia sentir livre. Sem destino, com sonhos e com expectativas de um futuro que poderia nunca acontecer. Mais um trovão… Mais uma memória despedaçada no abismo.
Nada me salvaria da tentação. Da doce tentação de ver as memórias de um passado longínquo. A tempestade aproxima-se e eu mantenho-me sentada nua aos olhos dos anjos, ouvindo as suas melódicas vozes cristalinas. As harpas tocam à medida que mais um trovão explode no ar. O mar bravo embate em tudo o que encontra no caminho e as flores do jardim há muito que morreram. E eu vou. Continuo a caminhar com toda a energia que tenho para dispensar. O sabor a salgado afoga-me a garganta, enquanto o novo trovão cega-me por segundos. Novamente passos na areia insipida…
Larguei os sapatos no rochedo e caminhei. Marquei pela milésima vez o chão arenoso. O mar começava agora a acalma, ainda assim eu sabia perfeitamente que ele era imprevisível e que mais cedo ou mais tarde voltaria a rebelar-se contra a costa. Vi uma luz no horizonte da praia. Ora aparecia, ora fugia para o outro lado do mundo. A estrela artificial daqueles que procuram rumo. Era capa de jurar que sentia as almas das flores comigo. Seria eu a sua estrela guia? Ou seria eu apenas uma fonte que lhes cede energia para que ela se mantenham fixas no mundo onde vivo? Dois passos firmes… Pés enterrados na areia fria…
O cheiro da maresia embriaga-me e o som da tempestade juntamente com o rebentar das ondas nas rochas refortalece-me. O “aqui” e o “agora” não só nada mais do que lugares e momentos que rapidamente são levados pela corrente. Por cada três passos para o futuro, dois deles são lavados pela água desapaixonada, carenciada de vida. E a tempestade continuava, iluminando a minha cara mórbida. Senti a energia das almas perdidas e os meus passos tornaram-se cada vez mais fortes, deixando pegadas mais profundas e salientes.
Deus me acuda! Nada me parecia libertar da tentação que as memórias me provocavam e da sensação delirante proporcionada pelos sentidos. Decidi continuar. Talvez fosse para o melhor. Perder-me na praia e ser levada pelo vento da tempestade. Ficar curada… Talvez… No infinito recente...

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