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domingo, 23 de junho de 2013

Os demónios e abismos do meu dia


Para a Joanita. Com muito amor e carinho. Apenas mais um sorriso e mais uma lágrima.
 
Frio… Escuro… Caída no chão de mármore, desorientada do tempo e lugar. Lágrimas escorrem dos meus olhos irradiados de raiva e tristeza. Quem nunca sentiu esse sentimento? Ódio. O doce horror do dia-a-dia. A máscara gasta que usamos para lutar contra aquilo que acreditamos estar errado. E eu melhor do que ninguém sei a que é que esse sentimento sabe. Fel e viscoso… Nada existe para além disso e o mar torna-se purulento. As rosas murcham e a chuva é ácida. O piano toca freneticamente a melodia da destruição.
Mantenho-me imóvel, ainda sem saber onde estou ou em que tempo foi parar. O piano deixa de tocar dando espaço no ar ao silêncio. Tomada pela tentação levanto-me e caminho em direção ao nada em meu redor. No meu coração acumula-se o desejo incontrolável e sentir o liquido aveludado a escorrer das minhas mãos. Sinto arrepios nos braços e tremores nas pernas só de pensar. O terror que os outros devem sentir quando me olham nos olhos e não veem nada mais do que um monstro. Oh! O quando isso me faz feliz. Ver o medo a espalhar-se dos olhos para a cara daqueles insolentes.
No entanto continuou aqui. No escuro. Com ou sem desejo, com ou sei ódio, com ou sem paixão… Porque este é o meu castigo. Este é o meu pesadelo. Nunca tendo presenciado um falso pesadelo enquanto durmo, sou consumida por um durante o dia. Sou sujeita a viver na imensidão que é o sofrimento. Talvez se esquecesse todos os planos de destruição e me dedicasse ao sol, o pesadelo terminaria. Talvez… Pensei que sim, mas não podemos fugir uma vez lançada a pedra. Este é apenas mais um momento que tenho de ficar a observar o nevoeiro e a deambular por ele a dentro.
Já perdi as contas das vezes que vi o vermelho chegar e que mesmo assim continuei a seguir a luz. Não ajudou. O negro continua a cobrir-me os olhos. Um novo ciclo começa e o piano retoma a melodia. Perdi-me no tempo enquanto o mar se tornava purulento e as rosas murchavam. Sinto-me a entrar noutro mundo e mais uma ronda recomeça. Mais um mundo de sofrimento. Mais uma desilusão. Mais uma perdição intemporal.
Corro pelos campos de flores tão livre e encantada que nem me reconheço. Não sonho nem relembro, apenas vivo o momento. Não olho para trás, não revivo as memórias do passado e daqueles que deixei naquilo que antes fora o meu lar. Nem o vento contrário e frio me impede de continuar, alias, ainda me traz mas ansia de alcançar a terra das especiarias. Fluo pelo campo indo contra o vento, ultrapassando as muralhas. Rodopio no meio do campo totalmente inconsciente do tempo. É só mais uma das camadas do meu pesadelo. O não reconhecimento do passado.
É aquilo que não posso prever ainda que seja sempre o mesmo. Será a degradação e reconstituição. Não irei parecer enquanto o mundo não quiser. Irei continuar a percorrer as sete camadas enquanto o tempo e espaço não estiver satisfeito com o meu desempenho. O aborrecimento, o ódio, o desejo, o sofrimento… O final que nunca chegará. Os andares da minha alma. Os meus abismos… Os meus demónios… A minha autodestruição…

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