Um
som no fundo da rua. Passo apressada pela calçada, fugindo do barulho sem nome.
As vozes percorrem as paredes das casas habitadas. Chamas a emanarem das
janelas fechadas. O som continua. Apressado e saltando atrás de mim. Corri,
tropecei e levantei-me, sem nunca olhar para trás. Talvez o medo de me deparar
com uma rua vazia, era maior do que aquele que teria se encontrasse um demónio
ao meu lado. Sabia perfeitamente o quanto me custaria chegar a casa. A três
ruas de distância…
A feira abandonada no fundo da primeira
rua estava deserta, abandonada num passado doloroso para a cidade. Tendas com
placares partidos. Telas de pano rotas e desgastas, apresentando as atrações
fantasmas. A luz da lua iluminava-a como num filme antigo. Uma roda gigante, no
meio de toda a decadência mantinha o seu esplendor macabro. Uma montanha russa
era consumida pelas ervas que trepavam pelos carris e vigas, tornando-a num
monstro verde. Carroceis num movimento petrificado no tempo, e as cores
esbatidas pela chuva e sol.
Passei pelas grades ferrugentas e
cobertas de arbustos. Por entre eles, consegui ver a magnânima e assustadora
feira. O som atrás de mim continuou a seguir os meus passos. Corri mais um
pouco, prosseguindo as sombras da lua e o gradeamento da feira. Nada me parava,
apenas me aterrorizavam. As formas no chão, o zumbido do som ao fundo da rua e
a loucura na minha mente. Se pudesse abandonar a minha fé, voltar-me para trás
e receber de braços abertos o medo, talvez este não me voltasse a assombrar
todas as noites. O demónio, que me seguia, mantinha-se sorrateiro nos seus
passos cauteloso, apenas o som no fundo da rua vibrava o ar.
Apressei-me a alcançar a minha pequena casa
branca. Passei o jardim do bairro. O vento abanava os baloiços vermelhos e
amarelos. O escorrega metálico reluzia com o brilho prateado da lua no seu
quarto crescente. Tropecei depois de atravessar o portão de minha casa. O som
no fundo da rua continuava a ecoar pela estrada deserta. Não olhei para trás. A
minha coragem mantinha-se inexistente, ou escondida no meu coração. Reparei que
o som parara de me seguir. O vento trouxe nuvens que cobriram a lua, no momento
em que abrir a porta e entrei em casa.
O leve cantar dos rouxinóis levantou-se.
Da janela do meu quarto vi o nevoeiro que cobriu as estradas. A feira
abandonada entrou na minha visão. A sua aura mística gritava pela luz da lua,
presa nas nuvens. Toquei no vidro frio. O ar quente expelido dos meus pulmões,
criava um fumo branco. Todas as casas tinham poucas luzes acesas, as ruas
estavam acinzentadas e o passado tremia com o canto dos pássaros e o som no fundo
da rua. Esperei uma mudança, um gemido de dor, um aperto no meu peito… Nada me
aconteceu. Apenas senti frio, deitei-me na cama e adormeci com os barulhos que
todas as caminhadas noturnas me apavoravam. Esqueci por momentos o sussurrou na
minha janela. Fechei os olhos e disse “Adeus” aos sombrios vultos na rua. Que
viesse na noite seguinte e me tentassem chamar. Hoje quem ganhou, foi eu.
4 comentários:
Muito bom mesmo. Vivi a história e quase tive medo. Senti o frio na pele e vi a lua a sorrir para mim com seu sorriso macabro. Continua a escrever xD
Obrigada Pedro. :)
Ainda bem que sentiste o que descrevi, e que viveste na história à medida que a lias. :D
E sim... Continuarei a escrever.
Conseguia imaginar uma história com esse início :P (nada de ideias!!)
Como sempre, está muito bem construído, muito bem escrito e transmite muito bem todas as sensações que se apoderam da persongem.
Resumindo: Muito bem :)
Beijinhos ^^,
Obrigada, Nance.
Seria demais se começasse uma história por causa do texto, não achas? Porém, graças a Deus que nem todos os textos geram longas histórias, se não estaria em grandes problemas.
Ainda bem que gostastes, tonta. :)
(O teu está a vir... Entretanto tens de te contentar com as outras histórias, incluindo a da Alma. :P )
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