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quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Um Som No Fundo Da Rua



Um som no fundo da rua. Passo apressada pela calçada, fugindo do barulho sem nome. As vozes percorrem as paredes das casas habitadas. Chamas a emanarem das janelas fechadas. O som continua. Apressado e saltando atrás de mim. Corri, tropecei e levantei-me, sem nunca olhar para trás. Talvez o medo de me deparar com uma rua vazia, era maior do que aquele que teria se encontrasse um demónio ao meu lado. Sabia perfeitamente o quanto me custaria chegar a casa. A três ruas de distância…
A feira abandonada no fundo da primeira rua estava deserta, abandonada num passado doloroso para a cidade. Tendas com placares partidos. Telas de pano rotas e desgastas, apresentando as atrações fantasmas. A luz da lua iluminava-a como num filme antigo. Uma roda gigante, no meio de toda a decadência mantinha o seu esplendor macabro. Uma montanha russa era consumida pelas ervas que trepavam pelos carris e vigas, tornando-a num monstro verde. Carroceis num movimento petrificado no tempo, e as cores esbatidas pela chuva e sol.
Passei pelas grades ferrugentas e cobertas de arbustos. Por entre eles, consegui ver a magnânima e assustadora feira. O som atrás de mim continuou a seguir os meus passos. Corri mais um pouco, prosseguindo as sombras da lua e o gradeamento da feira. Nada me parava, apenas me aterrorizavam. As formas no chão, o zumbido do som ao fundo da rua e a loucura na minha mente. Se pudesse abandonar a minha fé, voltar-me para trás e receber de braços abertos o medo, talvez este não me voltasse a assombrar todas as noites. O demónio, que me seguia, mantinha-se sorrateiro nos seus passos cauteloso, apenas o som no fundo da rua vibrava o ar.
Apressei-me a alcançar a minha pequena casa branca. Passei o jardim do bairro. O vento abanava os baloiços vermelhos e amarelos. O escorrega metálico reluzia com o brilho prateado da lua no seu quarto crescente. Tropecei depois de atravessar o portão de minha casa. O som no fundo da rua continuava a ecoar pela estrada deserta. Não olhei para trás. A minha coragem mantinha-se inexistente, ou escondida no meu coração. Reparei que o som parara de me seguir. O vento trouxe nuvens que cobriram a lua, no momento em que abrir a porta e entrei em casa.
O leve cantar dos rouxinóis levantou-se. Da janela do meu quarto vi o nevoeiro que cobriu as estradas. A feira abandonada entrou na minha visão. A sua aura mística gritava pela luz da lua, presa nas nuvens. Toquei no vidro frio. O ar quente expelido dos meus pulmões, criava um fumo branco. Todas as casas tinham poucas luzes acesas, as ruas estavam acinzentadas e o passado tremia com o canto dos pássaros e o som no fundo da rua. Esperei uma mudança, um gemido de dor, um aperto no meu peito… Nada me aconteceu. Apenas senti frio, deitei-me na cama e adormeci com os barulhos que todas as caminhadas noturnas me apavoravam. Esqueci por momentos o sussurrou na minha janela. Fechei os olhos e disse “Adeus” aos sombrios vultos na rua. Que viesse na noite seguinte e me tentassem chamar. Hoje quem ganhou, foi eu.

4 comentários:

Unknown disse...

Muito bom mesmo. Vivi a história e quase tive medo. Senti o frio na pele e vi a lua a sorrir para mim com seu sorriso macabro. Continua a escrever xD

Unknown disse...

Obrigada Pedro. :)
Ainda bem que sentiste o que descrevi, e que viveste na história à medida que a lias. :D
E sim... Continuarei a escrever.

NG. disse...

Conseguia imaginar uma história com esse início :P (nada de ideias!!)
Como sempre, está muito bem construído, muito bem escrito e transmite muito bem todas as sensações que se apoderam da persongem.
Resumindo: Muito bem :)

Beijinhos ^^,

Unknown disse...

Obrigada, Nance.

Seria demais se começasse uma história por causa do texto, não achas? Porém, graças a Deus que nem todos os textos geram longas histórias, se não estaria em grandes problemas.

Ainda bem que gostastes, tonta. :)
(O teu está a vir... Entretanto tens de te contentar com as outras histórias, incluindo a da Alma. :P )