Um suspiro, um beijo, um
abraço, uma caricia profunda do arrepio do vento. A mão que agarra a mão, o
corpo que puxa o corpo numa aventura da vida. Ou o que resta dela… Sabe Deus as
consequências do céu estrelado, do olhar parado e ignorante do viajante, e da
última armadura de metal. A demorada e suave espera por um primeiro sorriso.
Sorriso que não lhe pertence. Que pertence unicamente a quem o expressa e nunca
a quem o recebe. Porque quem o observa nem sempre o compreende. Sabe Deus o que
se faria se não se pudesse sorrir para quem entende.
O golpe não seria nada, comparado
à desilusão que poderia sentir se a minha mão não vibrasse com a imagem da
guerra. Como se ela própria desejasse ser arrancada do meu corpo para fugir,
seguindo o caminho que a leva ao campo. Desilusão… Triste é imitar emoções que
não sentimos e sentir aquelas que não serão aceites. Isso é desilusão.
Olhar nos olhos de outra
pessoa e pedir a Deus que ela não tenha tais pensamentos. Ideias preconcebidas
pelo resto da sociedade. Pedir explicações quando sabemos a verdade. Ninguém
sabe o que se passa. Desilusão é ouvir alguém afirmar que nos compreende.
Ninguém sabe o que sentimos. Desilusão ao olharmos para as nossas mãos e ver o
sangue, invisível para o mundo, correr como uma cascata. Desilusão em nós
próprios.
Cobarde… Roubar um beijo,
pois mais vale partir consumado que desiludido e zangado com a falta de
coragem. Correr elas ruas desertas numa manhã de inverno, enquanto a chuva
habita os céus e o sol tenta ser livre. Tal como todos os seres humanos presos
na jaula de vidro, tentar sair. Pessoas como eu olham para trás e, tentando
escapar dos olhares malignos, recusamo-nos a desistir. Assim pensava…
Saltar as barreiras da
grande casa assombrada. Ver as ruínas, os quadros queimados e as folhas
envelhecidas no chão. Louvar os bons momentos. Pedir por mais beijos, mais
abraços, mais aventuras guiadas pelas mesmas mãos, que me tocam quando o perigo
é iminente e o medo é excessivo. Sonhar com cores e sorrisos, que nunca serão
meus. Fechar os olhos e respirar o aroma da destruição e beleza. Toda a
contradição que em tempos fora apenas uma diretiva.
A lealdade do viajante
para com toda a magnitude das ruinas. Vezes e vezes, ele voltava à casa. Nós
voltávamos… Eu voltava. Mãos cerradas, sonhos na mente, olhos a cintilarem de
possibilidades. Sabe Deus as possibilidades que verdadeiramente me agradam. E
apenas Ele sabe o quanto a caminhada custa, porque para me é apenas mais um
dia. Mais uma das muitas loucuras a que sou sujeita.
As faíscas que saltam no meu
coração em cada instante da minha vida. Imperfeitas e incontroladas luzes
multicolores espalhadas no horizonte. Intricado padrão negro na pele bege.
Beijos perdidos, sorrisos desaparecidos, raios e explosões. Tudo leva à
petrificação. Tudo faz lembrar aquele passado, aquela loucura, as aventuras que
tivera nas mãos do destino. Se tal entidade realmente existe. Tudo, pela última
vez, provoca a solidão, a tristeza que durante anos foi e veio no meu coração.
O cartão lançado para a
fogueira, consumido pelo mesmo fogo que horas antes nos aquecia, na casa
assombrada inevitavelmente nossa. Enquanto as chamas se soltam dos troncos de
madeira secos, e tentam o velho e húmido cartão, os viajantes vêm a lua resplandecer.
Ele, guarda das memórias insignificantes, escurece. O fim… Desfeito em cinzas
no chão da lareira. Dois beijos, dezenas de braços e um longo adeus. Um
contínuo e arrepiante grito…
Pobre criança, deixada no
campo, desampara, desiludida. Destruidora de almas… As memórias são vagas. O
tempo passa pelas minhas mãos como o vento. Mãos frias… Nem mesmo o calor de
outras as tornar normais. No campo, a criança dá dois passos na minha direção.
Já não é uma rapariga. É a única que vejo. Não preciso de lhe tocar para
compreender que ela não existe. Nada no sonho existe. Não neste preciso
momento. Passado… Futuro… Ineludível e imperfeita loucura.
Nós… Que nós? Nesta casa
arruinada não existe nós. O viajante partiu, o cartão queimou, a rapariga
evaporou, o campo fica negro. As mãos frias, vermelhas e trementes agarram o
que nunca foi meu. O que nunca será meu. O que não existe. Para quê? Para
depois partir? Para agradece a Deus a aventura que nunca tive? Aquela que Ele
sabe ser a minha vergonha, o meu desejo, a minha loucura… Para trás repousa um
suspiro, um beijo, um abraço. Uma eterna confissão. Nada mais. Apenas pó e ruínas.