Pequena luz por entre o
nevoeiro. Seduzindo-me com o seu brilho falso. Dois passos a caminho da
perdição e três para perder a mente. Sinto a rajada de vento. Caio no chão e
firo as mãos com os vidros de todas as janelas partidas dos quartos queimados. Forço
as minhas pernas a suportar o peso do meu corpo. O partir dos vidros debaixo
dos meus pés ecoa com as passadas rápidas daqueles que correm para a luz. Olho
para trás. Vejo a escuridão de que todos fogem.
Vejo os pequenos corpos
apressarem-se, tropeçarem e saltarem, chegarem cada vez mais perto da luz.
Cambaleio para a esquerda. Agacho-me tentando ganhar o equilíbrio. As minhas
mãos ensanguentadas tocam nos estilhaços brancos. Por entre o misto vejo as
manchas vermelhas no local onde tinha acordado e caído. O cheiro acobreado do
líquido escarlate escorrendo pela palma das minhas mãos, mistura-se com o
salgado das lágrimas involuntárias. O coração escapa uma batida. A escuridão
aproxima-se.
Ordeno o meu corpo a
erguer-se do chão de cacos. Forço o ar pesado a entrar nos meus pulmões
cansados. O coração volta a falhar levando as minhas pernas com ele. Sinto-me a
sufocar. Levo as mãos ensanguentadas ao pescoço, tentado libertar-me o mais
rapidamente daquilo que me prender. Os meus dedos percorrer todos os milímetros
de pele, agora, manchada. Nada… Pura e simplesmente pele. Forcei novamente.
Inspirei… Expirei… Inspirei… Expirei… Voltara a respirar. O coração voltou a
bater descontroladamente. A escuridão parou.
Vi um vulto passar por
mim. Corria também em direção à luz. Todos corriam em direção à falsa
luminosidade nos confins daquela parede inexistente. Algo parecia errado. Seria
a minha tentativa de segui-los? Seria a loucura? Ou seria o coração?
Definitivamente soava a imperfeita e diabólica loucura. O que fazia a minha
mente acelerar para se perguntar: Seria mim ou deles? Olhei para trás. A
escuridão avançou.
Tentei concentrar-me no
bater inconstante do meu coração em vez dos passos insanos de quem quer que me
rodeava. Tuntum… Tuntum… Pausa. Recomeça. O tambor dentro do meu peito parecia
aceitar a minha tentativa de concentração. Auxiliava o meu pensamento. Olhei
para a frente. A luz ainda brilhava. Tanto como antes brilhara. Tanto que
parecia um sono. Parecia imaginação. Seduzindo-me pela segunda vez. Deixei o
olhar tombar no chão de vidros, salpicado com o poder vermelho do meu fraco
corpo. A escuridão voltou para trás.
Ergui-me. Tremelicando
pela falta de força e pela atração que me puxava para o lado fictício. Era o
que acreditava. Virei costas. Inspirei. Expirei. Minha loucura? Minha perdição?
Ou será a minha salvação? Dois passos a caminho da perdição e três para perder
a mente. Qual era a verdade e qual era a ficção? O vento soprou, sacudindo o pó
de vidro dos meus cabelos. Trazendo uma nova camada de neblina.
Cerrei as mãos. A dor
latente perfurou-me os ossos. Dei dois passos. A luz continuava a puxar. Fascinando-me
com sons excruciantes e imortais. Dei mais um passo. A escuridão cobriu o Mundo
dos vidros. De nada me servia, porém não neguei ao corpo o doce poder do
adormecimento. Que mais poderia oferecer quando loucura e teimosia era aquilo
que corria nas veias. Escutei cada batida do coração. Uma… Duas… Três…