Dissemos, ‘é o sono mortal’. Corremos o
campo e rastejamos sobre lama. ‘Irmãos, olhem para mim!’ Gritos e respirações
cortadas. Dissemos que a morte chegaria sem misericórdia. A tempestade chegava
com força bruta e nós íamos para casa tentando deixar o passado atrás das
costas e bem longe. Sim, vamos para casa, bem longe da dor e terreno árduo. ‘Vamos
para casa!’ Gritos e assobios. Choros e abraços. Dissemos ‘adeus’ ao passado e
caminhamos erguidos e destemidos.
Chegamos e viajamos com diversão.
Famílias esperando às portas da passagem. Casa seria onde elas estavam. O
sangue aqueceu, lágrimas limparam os males, caricias acalmaram os demónios. Dissemos
‘obrigado’ e caminhamos de mãos dadas aos nossos queridos. Vimos o sol nascer e
a noite pintada de constelações. Somos o infinito e tentamos mover montanhas.
Quatro paredes quebradas, passos firmes e passado do outro lado do oceano.
Saltamos do penhasco e mergulhamos em
água fria. Perdemos o avião e percorremos o mundo com uma mala às costas.
Voltamos a juntar-nos duas vezes por ano. Irmãos sempre, cá qual segundo o seu
destino. Sorrimos e por momentos tudo pareceu cinzento. Nada era perfeito mas podíamos
fingir que os demónios não existiam, que não ouvíamos os sons intensos ou sentíamos
a lama nas nossas roupas mesmo quando ela não se encontrava presente.
Dormimos com uma mão presa em redor do
punho que nos poderia salvar. Lâmina afiada, um passo perto do abismo.
Carregamos as nossas culpas e os nossos erros. Seremos livres? Dissemos ‘adeus’,
então porque sentimos que continuamos lá? Rastejando por baixo de arame
farpado, subjugando-nos às noites gélidas e aos dias ardentes, nunca sendo
capazes de ver o verdadeiro azul do céu, ou o ondular da água embatendo nas
rochas e rolando pela areia da praia cheia. Tínhamos pesos nas pernas e afundávamos
no poço de água verde.
Dissemos que era apenas um dia mau, um
dia que ia desaparecer das memórias. Pegamos na mala e continuamos a viagem com
a família perto de nós. Rodeamos o corpo das nossas crianças e abraçámo-las. O
olhar brilhante, a saudade… Tudo ajudava a caminharmos um passo em frente,
longe do sono mortal. E paramos, olhamos aos céus e dissemos, ‘Olhem para nós! Quebrados
por salvarmos a terra que nos viu nascer!’ Continuamos. Choros, passado e um
toque de dor. Felicidade? Talvez no futuro. Paz? Sim, paz. Hoje…