Nem chuva nem vento. Nem
sequer o sol se decide, sempre perdendo-se por entre as nuvens. Vejo as pessoas
passarem bruscamente pela rua. As pedras sofrendo com o peso das carruagens. O
galopar intensivo e a tortura auditiva dos risinhos das damas da corte. O
vestido escarlate cobrindo o meu corpo não era deixado em vão. Até mesmo pelo
rapazito dos recados junto das damas, ignorando os seus requisitos fúteis só
para me ver passar. Ou até mesmo o alfaiate à porta da sua loja, esperando que
eu entrasse e comprasse um chapéu. Passei-lhe ao lado.
Passava levemente pela
rua. Atenta aos sons e cheiros. Pés descalços que guiavam o meu caminho. Sabia
o que se passava. Via o vibrar com todas as fibras do meu ser. Nem a água que
corria no rio a cinco quilómetros passava despercebida. Nem o cheiro doce de
cada flor plantada e confinada no pequeno vaso me levava a ter vontade de
retomar a rota que me levava a casa. Alias, levava-me a dar mais passos. Não
permitiria deixar a minha vida voltar à sua crua existência.
Partira quando a lua ainda
preenchia o céu e os lobos e cães perdidos uivavam. Sem destino, apenas
caminhava. Não ia de olhos vendados. Esses já há muito que predaram a cor. Eram
o reflexo vazio do mundo que me tinha criado. Nem o Sol nem a Lua podia escurecer
a minha determinação. Nem a noite fria, nem mesmo o dia mortal conseguiriam estilhaçar
a minha vontade. Eu, a jovem de escarlate, tentaria encontrar a cor e luz que
apenas antes penetrara a minha mente. Para trás ficaria o poeirento quarto onde
antes sonhara.